Regressava da missa, matinal embrenhada nos seus pensamentos. Mentalmente ia ordenado as tarefas do seu dia para não mergulhar na solidão da sua viuvez. Tinha sido feliz com o marido, mas ficara-lhe sempre na alma se não teria sido mais feliz com Rafael a grande paixão da sua vida que partira para trabalhar e um dia sem mais nem menos deixara de dar notícias. Esse sim, fora a sua grande alma gémea a que ela perdera na viagem atribulada da sua vida. Mas se ele deixara de dar notícias é porque se calhar não era quem ela pensava, e consolando-se no oportuno ombro do melhor amigo de Rafael, que, também ficara sem notícias dele, acabou por se casar com este. E aos poucos acabou por deixar cair a memória de Rafael no baú das recordações esquecidas. Assim ia organizando a sua vida, de modo a que a solidão não lhe pesasse, após a viuvez. Dedicara-se à Igreja e ao voluntariado. Ajudava a distribuir roupas pelos mais carenciados e sentia-se útil. Pois apesar, de já ter setenta anos contados precisava de se sentir activa ou mergulharia na solidão e na tristeza. Ao chegar a casa repetiu os rituais e todos os dias. Regou as flores. Deu de comer ao gato e foi à caixa de correio. Além das contas e da publicidade já só uma prima afastada e viúva como ela lhe escrevia.
Por isso se admirou quando verificou uma carta manuscrita com uma caligrafia perfeita. E um selo estrangeiro. Desconhecia o seu remetente, mas verificou que o nome e morada do destinatário estavam correctos. Curiosa abriu a carta. Dentro desta estava outra carta já amarelada pelo tempo dobrada, do seu amado Rafael e por fora uma nota que dizia o seguinte:
“Cara Senhora,
Espero que finalmente esta carta encontre ainda a tempo a sua destinatária. Encontrei estas cartas entre uns pertences de meu tio, esquecidos na arrecadação de meus pais. Desculpe ter lido a carta, mas ainda bem que o fiz, para que memória de meu tio possa descansar em paz, pois ele faleceu sem ter conseguido enviado a carta, que, creio ser importante que a sua destinatária leia o seu conteúdo.O meu tio morreu de acidente e nunca as chegou a enviar”
Ela abriu a carta e dentro da mesma,tinha várias cartas dirigidas a ela, a explicar que ia para o estrangeiro para casa de uma irmã juntar dinheiro para casarem e uma última onde juntamente com tudo o que lera antes, a pedia em casamento. Os seus olhos encheram-se de lágrimas de alegria e no meio das suas lágrimas pareceu-lhe ver o rosto de Rafael a sorrir à sua frente.