Já não me recordo bem da data, mas foi há quase quatro anos no Campo Pequeno. Eu tinha ido ao Pediatra com o meu filho, o mesmíssimo médico que me dissera para eu não me preocupar, que tudo aquilo era normal, e que naquele dia me dizia que nada daquilo era normal e que eu já lhe devia ter contado. Mas eu tinha contado e ele tinha dito que era normal e eu contra o meu instinto confiei. Saí desorientada do consultório sem a certeza se algum dia lá voltaria (não voltei). Liguei ao marido a pedir para me ir buscar, ele estava quase a sair do trabalho. Ficou de me ligar para o telemóvel quando lá chegasse.
Não queria ir logo para casa, fui lanchar com o filho e fui ao parque infantil em frente, junto ao edifício do Campo Pequeno. Precisava, respirar e acalmar-me, fui fotografando o miúdo enquanto ele brincava, sem me aperceber que estava a ficar sem bateria no telemóvel, até que este se desligou.
Se já não estava calma, pior fiquei, principalmente porque começava a temer um ataque de pânico sozinha com o filho.
Tinha de arranjar um meio de contactar o meu marido. Desço ao centro comercial onde existem cabines telefónicas, mas estas limitam-se a comer-me as moedas.
Começo a sentir as taquicardias e o filho está inquieto, o que não ajuda.
Volto à parte de fora do edifício e olho para o café restaurante que aquela hora ainda me parece calmo.
Entro na Mercearia a Vencedora, já a fazer um esforço enorme para controlar as lágrimas e a respiração.
Depois de eu dizer Boa Tarde a custo, o rapaz atrás do Balcão pergunta-me em que me pode ajudar de forma bem simpática. Explico que preciso ligar ao meu marido. Gaguejo a falar e os meus gestos são descoordenados. As palavras do pediatra ecoam-me na cabeça o que não ajuda acalmar-me
. Pergunto se tem algum telefone fixo do qual eu possa ligar, dispondo-me a pagar um preço absurdo na minha aflição. O rapaz afável e bem-disposto diz para eu me acalmar e gentilmente disponibiliza-me o seu telemóvel. Ligo ao meu marido e combino um ponto de encontro.
Devolvo telemóvel e pergunto quanto lhe devo. Responde-me que não é nada que eu tinha demorado pouco. É Verão e está calor. O miúdo está irrequieto. Preciso dar água ao miúdo, que a dele tinha acabado. Também tenho sede. Peço se posso comprar ali uma garrafa de água. Entrega-me uma garrafa de água fresca e quando pergunto o preço responde-me que não é nada. A garrafa é dele, cada funcionário tem direito a uma, ele oferece-me a dele!
Pergunto como lhe posso agradecer a gentileza, ele sorri e diz que não foi nada. Agradeço mais uma vez e na minha desorientação nem me lembrei de perguntar o nome.
Saio do estabelecimento, menos desorientada do que tinha entrado. O miúdo bebeu um pouco de água e acalmou. Eu também estava mais calma.
Pensava na gentileza daquele rapaz que num dos dias mais cinzentos da minha vida, sem me conhecer de lado nenhum deu um pouco cor ao meu dia com pequenos grandes gestos de bondade e gentileza.
Mais uma vez aqui fica o meu muito obrigado rapaz da Mercearia a Vencedora.
Quando eu tinha os meus nove anos, tive o prazer e conhecer um daquelas pessoas que fazem o bem sem olhar a quem.
A Menina Sofia como lhe chamávamos era organista da igreja a aldeia Já teria os cinquentas e muitos anos quando eu a conheci. Tinha um olhar bondoso e usava o cabelo sempre enrolado com Ganchos. A menina Sofia era solteira e vivia com uma irmã que infelizmente se suicidou. Era uma pessoa querida e todos os que a conheciam.
Uma vez por semana ao fim do dia, quando já não haviam aulas, dedicava-se a ensinar música às crianças da aldeia que quisessem aprender sem levar dinheiro nenhum. Eu fui uma dessas crianças, infelizmente quando eu lá estava a senhora adoeceu e eu não cheguei a aprender a tocar nenhum instrumento. Muitas crianças sabiam tocar instrumentos naquela pequena aldeia, graças a ela.
E como nós as crianças adorávamos aquelas horas.
Eu não aprendi nenhum instrumento, mas aprendi a escutar a música com a alma, a maravilhar-me com Claves e sol e de Fá, colcheias, semicolcheias, fusas semi -fusas. E com a magia a música e a bondade.
Infelizmente já há alguns anos que a Menina Sofia não se encontra entre nós e eu não tive a oportunidade e me despedir. Fica aqui o meu modesto tributo à pessoa maravilhosa que a Menina Sofia era e à sua bondade.
Sobre este post, no seu blog, disse-lhe que ainda há pessoas genuinamente boas. Felizmente, apesar das desilusões que tenho levado ao longo da vida, já tive algumas situações em que me provaram que essa frase é real. Assim tive a ideia de inaugurar esta rúbrica onde vou publicar relatos de atos de pessoas genuinamente boas que se passaram comigo e fica aberto a quem eventualmente quiser participar contando uma situação onde se destaca uma pessoa genuinamente boa ou seja atos de bondade genuínos, num mundo onde nos queixamos tanto da falta de civismo estes atos genuinamente bondosos são de elogiar e partilhar.
Passo então ao primeiro testemunho
Esta situação passou-se comigo e com a minha filha a 13 de Novembro de 2015 transcrevo o relato tal como o publiquei na altura no Facebook:
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“Há pessoas fantásticas, há pessoas maravilhosas e a minha filha parece desde pequena ter o dom de despertar o lado maravilhoso das pessoas. Hoje à tarde tive que ir com ela ao Hospital, pois conforme suspeitava ela estava com um ataque de asma. Mas nem a asma lhe tira a fome por isso fomos ao bar do Hospital. À saída do Hospital dos Lusíadas estava um Quiosque onde tinha à venda uma edição do Panda que oferecia um guarda-chuva. eu disse que era giro para oferecer ao Gonçalo e ela ficou toda animada para comprar. Mas eu estava sem dinheiro na carteira e o multibanco mais próximo não estava a dar dinheiro. Ela viu no balcão do quiosque uma maquineta semelhante à do pagamento multibanco e insistiu comigo para ir ao quiosque. Entrei e a simpática e sorridente funcionária esclareceu que não era máquina multibanco, mas payshop (pagamento de faturas e etc ) .
A Bá ficou desolada e não queria ir embora nem desistir, ao mesmo tempo que nós estava uma Senhora no quiosque que lhe achou piada à desolação e perguntou porque ela estava assim, contada a história, entre o motivo de ter ido ao Hospital e o motivo da sua desolação, a Senhora pegou e disse-lhe que lhe oferecia a revista, não só o disse como o fez, ficando ainda encantada por saber que ela a queria tanto, para poder oferecer ao guarda-chuva ao irmão.
Ficámos sem palavras. A Bá perguntou o nome da senhora e deu-lhe um beijinho para agradecer. Obrigada Dona Henriqueta pelo seu gesto, que trouxe de uma vez dois sorrisos a duas crianças. São pessoas como a senhora que tornam este mundo mais bonito e que nos voltemos a cruzar nas estradas da vida. Deus a abençoe a si e toda a sua família. Há pessoas fantásticas que tornam este mundo mais bonito e a senhora é uma delas sem dúvida.
E vocês já têm histórias de pessoas genuinamente boas para partilhar? Se sim enviem para e-mail.