Estava precisando fazer uma faxina em mim...
e fiz : abrindo o armário.
Assim como jogar alguns pensamentos indesejados fora,
lavar algumas essências que andam meio que enferrujadas,
pois já não brilhavam.
Tirei do fundo das gavetas
lembranças que não uso e não quero mais.
Joguei fora alguns sonhos, algumas ilusões.
Papéis de presente que nunca usei,
sorrisos que nunca darei,
joguei fora a raiva e o rancor
das flores murchas que estavam
dentro de um livro que não li.
Olhei para meus sorrisos futuros
e minhas alegrias pretendidas,
e as coloquei num cantinho ,
bem arrumadinhas.
Fiquei sem paciência,
tirei tudo de dentro do armário
e fui jogando no chão:
paixões escondidas, desejos reprimidos,
palavras horríveis que nunca queria ter dito,
mágoas de um amigo,
lembranças de um dia triste,
mas havia lá, outras coisas e belas!!!
Um passarinho cantando na minha janela...
aquela lua cor de prata que vi na praia,
o por do sol nas montanhas...
Fui me encantando e me distraindo;
olhando para cada uma daquelas lembranças.
Sentei no chão,
para poder fazer minhas escolhas.
Joguei direto no saco de lixo
os restos de um amor que me magoou.
Peguei as palavras de raiva e de dor
que estavam na prateleira de cima,
pois quase não as uso,
também joguei fora no mesmo instante!
Outras coisas que ainda me magoam,
coloquei num canto
para depois ver o que faria com elas.
Se as esquecia lá mesmo
ou se mandava para o lixão.
Aí, fui naquele cantinho,
bem naquela gaveta
que a gente guarda tudo o que é mais importante:
o amor, a alegria, os sorrisos,
um dedinho de fé
para os momentos que mais precisamos,
e sabe o que descobri ?
Que tinha um jóia lá, toda embrulhadinha,
tão rara e preciosa,
talvez o maior bem que possua.
Eu não a usava há muito tempo.
Nem sabia que a tinha mais,
tinha me esquecido.
mas, ela estava lá
e quando eu a olhei,
ela brilhou para mim,
como sempre o fizera;
Peguei-a entre os dedos e fiquei apreciando.
Assim, embevecida e encantada.
Cuidei dela com muito carinho,
despejei meu amor por entre suas frestas
e não deixei de usá-la mais.
Agora mesmo eu a estou usando
para falar com você.
Pode saber o que é?
Sim, amigo, é minha arte de escrever. De brincar com o teclado
e com o jogo de letras
que se fazem visíveis no meu pensamento
mesmo antes dos dedos tocarem o teclado,
mas, que às vezes,
parece que são mais rápidos que do que ele
e posso me divertir mais assim.
E com uma simples frase,
escrever uma história inteira.
Em dia de faxina, sempre fica tudo uma bagunça incrível,
desorganizamos tudo,
para colocar em ordem depois
mas, melhor é desorganizar a ordem.
porque fica tudo certinho.
Bem, assim ...mais fácil para mim.
Recolhi com carinho o amor encontrado,
dobrei direitinho os desejos,
coloquei perfume na esperança,
passei um paninho na prateleira das minhas meta,
deixei-as à mostra, para não perdê-las de vista.
Coloquei nas prateleiras de baixo
algumas lembranças da infância,
na gaveta de cima as da minha juventude e,
pendurado bem à minha frente,
coloquei o meu amor,
pois eu o uso a todo instante,
mantenho-o sob meu olhar de paixão incontida,
banho-o todos os dias com ternura,
dou-lhe atenção de menina,
durmo com ele,
bem juntinho ao meu lado
e encho-o de beijinhos melados
E ele? Bem,... ele retribui.
Ele era um lápis especial, feito da melhor madeira, o seu interior era feito da grafite mais pura, aprimorada pelas gomas e resinas de maior qualidade. Quase todas as Lapiseiras o adoravam, mas ele achava que estas tinham uma personalidade muito artificial. Afinal ele era um lápis genuíno de esmerado fabrico. Era uma verdadeira criação da Natureza. Um dia, ela chegou. Foi como que uma lufada de ar fresco entre folhas de papel amachucadas, lapiseiras artificiais e borrachas gastas pelo tempo. Aquela borracha parecia diferente. Juntos poderiam formar uma equipa imbatível, pois certamente com um aspecto daqueles, ela só traria perfeição ao seu trabalho. Via-se que era uma borracha exigente com o seu trabalho. Assim que chegara apagara logo alguns rabiscos mal desenhados pelos seus companheiros já gastos e destreinados,cuja grafite nunca fora de tão boa qualidade como a sua tornando-lhes a escrita deselegante e áspera.
Estava certo de ter encontrado a sua alma gémea. Decidiu declarar-se-lhe. Assim que vislumbrou uma folha de papel imaculadamente branca e pediu-lhe ajuda para o efeito. A folha de papel não resistiu aos encantos do lápis e deixou que este a preenchesse com as suas palavras de amor para a borracha.
A borracha tornou a apagar o que o lápis escrevera. Cego pela paixão, achou que ela queria que ele lhe escrevesse mais palavras belas.
-A tua pele rosa é tão macia, tão bela e tem um toque de veludo.
A borracha tornou apagar o que ele escrevera. Porém cego e convencido de que a borracha estava conquistada por si e quisera apenas dar-lhe de novo a sentir o toque da sua pele, voltou a escrever palavras de elogio à perfeição da borracha, palavras de admiração e juras de amor eterno. Todas as frases escritas pelo lápis, a borracha apagou friamente, palavra, por palavra, letra por letra, se tornar numa borracha vulgar e demasiada gasta.
O lápis triste e desiludido com borracha, desabafou com a folha que se tornara a sua melhor amiga. Contou-lhe das suas ilusões, como pensara que esta borracha pudesse aperfeiçoar o seu trabalho, mas como se desiludira ao ver que ela apenas sabia destruir o que os outros criavam e a si própria. Desabafou o seu desejo de encontrar uma alma gémea que absorvesse os seus pensamentos e soubesse trabalhar em equipa com ele. Foi então que reparou que a folha estivera sempre do seu lado, apoiando-o, absorvendo as suas ideias, tornando-as reais. Percebeu que a sua alma gémea estivera sempre ali e ele nunca vira. Não a ia perder. Declarou-se. A folha ficou feliz por finalmente ter percebido que ela estava ali. Mas era tarde demais, a sua vida estava a terminar. Tinha ficado gasta, amachucada e ferida demais pelo escrever e o apagar das declarações de amor à borracha. O lápis amargurado por ter perdido o seu verdadeiro amor, por sua culpa deixou-se afiar até ao fim e nunca mais quis escrever uma letra que fosse.
-Beija-me…- Disse ela de pé, para ele sentado a seu lado em cima do muro. Ele espantado, concentrou-se no silêncio que antecedera estas palavras. Devia ter imaginado algo. Desejava-o com tanta força que imaginava ouvir a voz ligeiramente rouca e doce dela pedir-lhe: beija-me.
-Ouviste o que te pedi?
-Desculpa, pensei que estivesse a imaginar.
-Porquê não me queres beijar? Perguntou ela num misto de tristeza e divertimento, mas honestamente intrigada..
-Sim. Quero. É o que mais quero. Não me estás a gozar?
-Porque haveria de o fazer?
-Não sei...
-Pára com isso e beija-me!
-Mas..
-Mas o quê?
-Mas eu só tenho doze anos e tu já tens catorze .
Ela riu-se.
-Tens com cada uma. Quero lá saber disso. Conheço-te desde que nasci. Hoje é o dia perfeito para me beijares.
Foi assim que sentado num muro por ser mais baixo do que, ela à luz da estrelas e do luar que ele deu o seu primeiro beijo.
-Gostaste?- Perguntou-lhe ela.
Ele ainda estava a viajar por entre a lua e as estrelas sem acreditar.
-Devo estar a sonhar.
-Não, não estás.- E voltou a beijá-lo.
-A que te soube?
- A azul do céu, se as cores tiverem sabores este é o teu, sabes a azul do céu! E eu?
-A amoras frescas acabadas de colher.
-Agora vamos para a nossas casas que já é tarde.
-Amanhã, encontramo-nos?
-Sim- Disse ela com um brilho igual aos das estrelas nos olhos.
Mas não voltaram a encontrar-se senão passados dez anos. O tempo não passara por ela e a sua voz era inesquecível.
-Dá-me licença?
Ele virou-se.
-És tu? És mesmo tu?
-Eu quem? Respondeu ela divertida sem o reconhecer.
- Não te lembras de mim? Crescemos juntos, brincávamos no muro junto ao telheiro de noite, fingíamos que éramos gatos e tudo o que se possa imaginar, um dia desapareceste e nunca mais soube ti. Tinham mudado de casa.
-Sebastião? Não acredito! -Lançou-se-lhe nos braços como se fossem crianças de novo. -Desculpa esta é tua namorada? – Perguntou um pouco atrapalhada notando uma presença feminina ao lado.- Ele riu.
-Não, não tenho ninguém É apenas a menina da loja.
-E tu?
-Nem namorado, nem marido. Mas chega aqui. Há uma pessoa que te quero apresentar.
Junto das prateleiras de livros infantis estava um menino cujo perfil era indubitavelmente o dela.
-Este é Sebastião. O meu filho. Foi por isso que parti sem nada dizer.
-O teu filho?
-Vamos tomar um café?
Dirigiram-se para a cafetaria da livraria .
-Sim. Foi por isso que te pedi um beijo naquela noite. Queria imaginar que ele era um pouqinho teu.
-E o pai?
- Nunca mais soube dele. Depois dele fazer o reconhecimento da criança nunca mais o vi. É o Mateus que era da minha turma. Os pais mandaram-no para Londres para casa de uma tia-avó. No entanto os pais dele mandam dinheiro todos os meses para o neto. Mas não o querem ver. Também sofri tanto que não preciso de mais nada e nem quero ver a cara de ninguém daquela família.
-Porque não me disseste nada.Eu tinha-te ajudado.
-Porque não queria destruir a imagem romântica que eu sabia que tinhas de mim. Além disso eras uma criança inocente. Dois apenas de diferença, eu sei, mas naquela altura era uma diferença enorme. Mas queria que tivesse sido teu, por isso quis sentir o teu sabor.
-Olá Sebastião...
-Olá, és o amigo da minha mãe que diz que as cores têm sabor?
Sebastião sorriu.
-Ela contou-te isso?
-Sim, perguntei à minha mãe a que sabiam os beijos. Ela respondeu que um dia um amigo lhe disse que sabiam a azul do céu…
.-Sim fui eu. Porque quiseste saber?
-Queria saber porque me chamava Sebastião e ela disse que foi por ser o nome da única pessoa que gostou dela de verdade e lhe deu o beijo mais saboroso do mundo.
Ele olhou para ela e ela enrubesceu como se tivesse catorze anos de novo. Ele nunca a esquecera, mas o amor magoara-o demais. Fora o seu primeiro beijo e a sua primeira desilusão.
-Sempre pensei que fugiras de mim por causa daquele beijo.
-Oh não, nunca..os meus pais não me deixaram falar com mais ninguém, desculpa eu não te quis magoar...
-Agora percebi.Foi bom ver-te. Tenho de ir para a missa.
-Vais à missa?
-Não. Vou celebrá-la. Sou o novo pároco desta paróquia.
Ele vislumbrou uma nuvem de decepção nos olhos dela e como que em jeito de se desculpar disse-lhe:
-Eu nunca te esqueci, pensei que te perdera para sempre. Querem vir assistir?
-Com certeza.- Disse ela.
-Não te volto a perder. Posso ter-te perdido como homem, mas hoje vejo que nunca te perdi como irmão de amizade e isso vale mais que mil paixões.- E seguiram de mão dada até à igreja.
A multidão cochichou entre si. E muitos rumores soaram nos anos que se seguiram. Mas nunca as vozes do povo tiveram razão em falar.
Passados 30 anos. Encontravam-se ambos debaixo do telheiro. Ela de pé. Ele sentado no muro.
-Beijas-me? – Disse ela.
Ele não respondeu, deu-lhe ao de leve um beijo na testa.
-Não, beija-me mesmo, só por esta vez.
-Sou um padre. Sabes que não posso.
-Só por esta vez.
Ele não resistiu e beijou-a. Ela nunca perdera o sabor a azul do céu.
-Porque me pediste para te beijar?
-Porque queria levar o teu sabor a amoras frescas acabadas de colher comigo. Prometes-me tomar conta do Sebastião?
-Sim, embora ele já seja um homem feito, mas porque me pedes isso?
-Porque tenho de partir. - E dizendo isto desfaleceu nos seus braços adormecendo para sempre.
Nunca um serviço fúnebre lhe fora tão doloroso, mais a mais, por sentir que aquelas almas presentes o condenavam.
Como se pode condenar um amor tão puro? Nunca ninguém acreditaria que em 52 anos de existência a amara sempre e só tinham trocado dois beijos, mas a coincidência do filho ter o seu nome também não ajudava.
Só quem amou verdadeiramente acreditaria num amor tão puro. Não se importava com o mundo.
Olhava o céu, queria encontrá-la. Ainda tinha o seu sabor a azul do ceú, na boca.
É nisto que somos bons este é o blog dos nossos atletas paralímpicos. Há uns anos atrás tive o prazer de conhecer alguns deles numa acção na Escola secundária de Caneças em que colaboraram comigo.São verdadeiros exmplos de vida. São os nosso veradeiros campeões que todos os anos ganham medalhas em nome do nosso país com pouco ou nehum apoio do Estado.Divulguem e apoiem.