Flora e a calçada
Flora guia,
guia na calçada,
guia e não pode
que vai ensonada.
guia, Flora,
Flora guia,
guia que guia,
guia na calçada.
Saiu de casa
já atrasada;
regressa a casa
é já noite fechada.
No volante do seu carro
volta à estrada,
com o pé no acelerador
regressa esgotada
Anda Flora,
Flora guia,
guia que guia,
guia na calçada.
Flora é nova,
e bem despachada
tem um carro velho,
para andar na estrada
Ferve-lhe o sangue
de irritadada;
quando está parada
Anda Flora,
Flora guia,
guia que guia,
guia na calçada.
Passam ciganos,
rapaziada,
lavam-lhes os vidros
fica irritada
Anda Flora,
Flora guia,
guia que guia,
guia na calçada.
Chegou a casa
não disse nada.
Pegou na pasta
pousou-a esgotada;
bebeu da sopa
numa golada;
lavou a loiça,
varreu a escada;
deu jeito à casa
desarranjada;
coseu a roupa
já remendada;
despiu-se à pressa,
bem ensonada;
caiu na cama
de uma assentada;
chegou o homem,
viu-a deitada;
juntou-se a ela
não deu por nada.
Anda Flora,
Flora guia,
guia que guia,
guia a calçada.
Na manhã débil,
sem alvorada,
salta da cama,
desembestada;
puxa da pasta,
bem arrumada;
veste-se à pressa,
desengonçada;
anda, ciranda,
desaustinada;
range o soalho
a cada passada,
salta para a rua,
guia acelerada,
rasa o passeio,
desce a calçada,
chega à escola
à hora marcada,
fala que fala,
ralha que ralha,
fala que fala,
ralha que ralha,
fala que fala,
ralha que ralha,
fala que fala,
ralha que ralha;
toca a sineta
na hora aprazada,
corre ao bar,
volta à toada,
fala que fala,
ralha que ralha,
fala que fala,
ralha que ralha,
fala que fala,
ralha que ralha.
Regressa a casa
é já noite fechada.
Flora acelera até
à calçada.
Anda Flora,
Flora guia,
guia que guia,
guia na calçada,
guia que guia,
guia na calçada,
guia que guia,
guia na calçada,
Anda Flora,
Flora guia,
guia que guia,
guia na calçada.
Plágio brincalhão de Flora Rodrigues
António Gedeão
Teatro do Mundo (1958)
Ilustração fotos do sapo.