A Passageira II parte
No entanto, já não sentia medo ao pensar nela. O arrepio que percorria o seu corpo à sua imagem desaparecera e era substituído por uma sensação de calor, de paz interior. O seu rosto, o seu sorriso não lhe saíam da ideia. Aquele olhar profundo, os olhos grandes e negros, parecendo sorrir também. O cabelo castanho liso, caindo-lhe desalinhado sobre os ombros. A simplicidade, a suavidade da sua voz. Tudo nela era tão belo, tão suave e tão profundo que nada parecia real.
Comentou o facto do bilhete estranho com a mulher, quando chegou a casa.
- Deve ser cansaço disse ela, e não deu grande importância ao assunto. Mas ele ainda assim ficou a pensar: Bem, hoje é Segunda até Quinta – Feira tenho tempo de ver se é realmente cansaço. Porém, nos dois dias que se seguiram, o incidente repetira-se, só que ele já não lhe dizia nada, quando ia para devolver o bilhete e pedi-lo de novo, hesitava e voltava a vê-lo, e à sua segunda vez , via sempre um bilhete normal de passageira.
Na noite de Quarta para Quinta, levou tempo a adormecer, sem decidir se ia trabalhar ou não. Os pesadelos atormentavam-lhe a noite. Sentia-se a rodopiar dentro do comboio, com o rosto dela à sua volta sussurrando-lhe repetidamente: Lucas não vás trabalhar, não vás trabalhar! Não vás trabalhar…
Acordou a suar, ardia em febre. A sua esposa trazia-lhe um chá.
- Já acordaste? Ainda bem. Não descansaste a noite toda. Falaste toda a noite. Estás com muita febre. Isso é de andares a trabalhar demais, sem folgas, nesta época. Lucas não vás trabalhar, não estás em estado de ir trabalhar. Eu aviso para o teu trabalho. È a primeira vez que faltas em vinte anos!
Pela primeira vez, desde que aquela mulher tinha surgido no comboio, conseguiu dormir descansado, em paz.
Eram oito da manhã de Sexta – feira quando a mulher o acordou:
- Lucas acorda, acorda depressa ela chorava e tremia ao mesmo tempo, que se abraçava a ele e o beijava Obrigada Dizia ela Obrigada meu Deus, e a ti sejas quem fores.
- Que estás para aí dizer? Que se passa mulher? - Perguntou-lhe atarantado.
-Ouve – disse ela. Na rádio noticiavam o acidente do comboio da meia-noite, em que Lucas era suposto estar a trabalhar. O comboio tinha descarrilado. Não tinham morrido pessoas, mas muitas estava feridas e em estado grave.
- Se não estivesses doente, tinhas ido trabalhar? – Perguntou-lhe a mulher.
- Sim - Respondeu Lucas - Mas quem, sabe se não foi mesmo por isso que adoeci!!!
No dia seguinte Lucas foi trabalhar com intenção de procurar a mulher e agradecer o aviso, tentando ao mesmo tempo esclarecer o mistério de onde conhecia aquela mulher, e quem ela era. Mas não a viu, nem naquele dia, nem nunca mais.